top of page

por Izabel Lima

         Racismo. Branqueamento. Anulamento. Ressurgimento.

      PRINCESA NEGRINA e outras estórias... é  um Blog  que  surge a partir do livro "Contos para crianças" publicado no Brasil em 1912 e que contém uma série de estórias cujo tema central é muitas vezes o mesmo: como uma pessoa negra pode tornar-se branca. Nesta época, o processo de branqueamento era declarado. Eugenia. Essa era a política oficial do Estado brasileiro. Para as elites brasileiras, a eugenia era um símbolo de modernidade, uma ferramenta científica capaz de colocar o Brasil no trilho do progresso e do tão sonhado "concerto das nações". Entre os temas mais tratados pelos eugenistas brasileiros estavam a educação higiênica e sanitária, a seleção de imigrantes, a educação sexual, o controle matrimonial e da reprodução humana e debates em torno da miscigenação, branqueamento e a "regeneração racial". 

       As primeiras publicações sobre eugenia apareceram no Brasil em meados dos anos 1910, a partir de artigos publicados na imprensa do centro do país e em teses acadêmicas, especialmente em Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. Também surgiram publicações no formato literatura infantil e é nesse cenário que o conto de fadas "Princesa Negrina" aparece e é divulgado. Ainda em 1917 seria fundada a Sociedade Eugênica de São Paulo, a primeira do gênero da América Latina. Sob a liderança de Renato Kehl, médico e principal entusiasta da eugenia no Brasil, a sociedade reuniu mais de uma centena de associados, a grande maioria formada por médicos de São Paulo e do Rio de Janeiro. 

     Durante os anos 1920, o Movimento Eugênico Brasileiro se organizaria em torno de outras instituições, como foi o caso da Liga Brasileira de Higiene Mental, instituição que incorporou o ideário eugênico com bastante interesse. Em 1929, o movimento se fortaleceria ainda mais com a criação do Boletim de Eugenia, periódico fundado e dirigido por Renato Kehl, incansável divulgador da eugenia no Brasil e na América Latina. Neste mesmo ano seria realizado o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, organizado em comemoração ao centenário da Academia Brasileira de Medicina. Presidido pelo médico legista e antropólogo Edgard Roquette-Pinto e secretariado por Renato Kehl, o evento ficou marcado como um dos principais congressos de eugenia da América Latina, tendo reunido importantes figuras da comunidade intelectual brasileira e latino-americana.

    Estes são apenas alguns temas para iniciar as nossas reflexões. Entender a urgência destas reflexões e exercitar um pensamento crítico que surge como uma  tentativa de enfrentar nosso medo secular de nomear as coisas e de fato reconhecer como elas são para talvez mudar o 'como elas estão'. 

   Para refletir sobre estas narrativas a proposta é transitar por fatos históricos, mergulhar em datas, épocas, costumes e comportamentos que até hoje são reproduzidos nas sociedades e que denunciam o racismo estrutural e naturalizado em que vivemos.

    PRINCESA NEGRINA e outras estórias... propõe ser um lugar de escurecimentos ocupado por narrativas variadas que tem como ponto de partida o vasto universo das Estórias, Histórias, da Arte, da Literatura e da Filosofia Negra. Segue o conto original escrito por um autor inglês chamado Chrysanthème e que fomentará nossas conversas por aqui.

"A PRINCESA NEGRINA”

       Um bondoso casal real lamentava-se de sua má sorte: depois de muitos anos de matrimônio suas majestades ainda não haviam sido presenteadas com a vinda de um herdeiro. No entanto, como recompensa de suas boas ações – afinal, nos contos de fadas os reis e cônjuges legítimos são sempre generosos -, o casal tem a oportunidade de fazer um último pedido à fada-madrinha. É a rainha que, comovida, exclama: “Oh! Como eu gostaria de ter uma filha, mesmo que fosse escura como a noite que reina lá fora”. O pedido continha uma metáfora, mas foi atendido de forma literal, pois nasceu uma criança “preta como carvão”. E a figura do bebê escuro causou tal “comoção” em todo o reino, que a fada não teve outro remédio senão alterar sua primeira dádiva: não podendo mudar “a cor preta na mimosa cor de leite”, prometeu que, se a menina permanecesse no castelo até seu aniversário de dezesseis anos, teria sua cor subitamente transformada “na cor branca que seus pais tanto almejavam”. Contudo, se desobedecessem à ordem, a profecia não se realizaria e o futuro dela não seria negro só na cor. Dessa maneira, Rosa Negra cresceu sendo descrita pelos poucos serviçais que com ela conviviam como “terrivelmente preta” mas, “a despeito dessa falta, imensamente bela”. Um dia, porém, a pequena princesa negra, isolada em seu palácio, foi tentada por uma serpente, que a convidou a sair pelo mundo.  Inocente, e desconhecendo a promessa de seus pais, Rosa Negra deixou o palácio e imediatamente conheceu o horror e a traição, conforme previra sua madrinha. Em meio ao desespero, e tentando salvar-se do desamparo, concordou, por fim, em se casar com “o animal mais asqueroso que existe sobre a Terra” – “o odioso Urubucaru”. Após a cerimônia de casamento, já na noite de núpcias, a pobre princesa preta não conseguia conter o choro: não por causa da feição deformada de seu marido, e sim porque ela nunca mais seria branca. “Eu agora perdi todas as esperanças de me tornar branca”, lamentava-se nossa heroína em frente a seu não menos desafortunado esposo. Nesse momento algo surpreendente aconteceu: “Rosa Negra viu seus braços envolverem o mais belo e nobre jovem homem que já se pôde imaginar, e Urubucaru, agora o Príncipe Diamante, tinha os meigos olhos fixos sobre a mais alva princesa que jamais se vira”. Final da história: belo e branco, o casal conheceu para sempre “a real felicidade”.

Fonte: História da Vida Privada no Brasil (4) -

               contrastes da intimidade contemporânea

At Last - Etta James
00:00
bottom of page