A REDENÇÃO DE CAM
O projeto de branqueamento da raça seguia com o apoio de políticos, médicos e intelectuais da época. Eliminar a mancha da escravidão e fomentar a ideia de "quanto mais branco melhor" era explícita. Nascer branco era quase uma benção. Entre as décadas de 1870 e 1930, não havia dúvida sobre a necessidade de embranquecer a população, principalmente quando tentavam explicar o atraso do país, pois, para eles, os negros, índios e mestiços eram – em graus variáveis – incapazes de civilização, característica que seria própria dos povos brancos. Era uma tese que também correspondia aos interesses da oligarquia agro-exportadora que dominava o país.
Durante o I Congresso Internacional das Raças, realizado em Londres, em julho de 1911, João Batista Lacerda na época diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro apresentou sua tese em defesa do branqueamento "Sur les mestis au Brésil" (Os mestiços do Brasil). Nesse ensaio a mensagem era escancarada:
"É lógico supor que, na entrada do novo século, os mestiços terão desaparecido no Brasil, fato que coincidirá com a extinção paralela da raça negra entre nós".
O Brasil fora o único país da América Latina "convidado" para o evento que trazia na abertura a reprodução do quadro "A Redenção de Cam" do espanhol Modesto Brocos, artista da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro acompanhado da seguinte legenda: "Le nègre passant au blanc, à la troisième génération, par l'effet du croisement des races" (O negro passando para branco, na terceira geração, por efeito do cruzamento de raças). Portanto, João Batista Lacerda garantia que em 100 anos – isto é, em 2011 – os negros desapareceriam da população brasileira, e os mestiços estariam reduzidos a 3% do total.
"A Redenção de Cam" é uma pintura a óleo sobre tela feita em 1895.
A obra aborda de forma crítica as teorias raciais do fim do século XIX e o fenômeno pela busca do embranquecimento gradual das gerações de uma mesma família por meio da miscigenação e encontra-se conservada no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Na obra de Modesto Brocos, em frente a uma pobre habitação, três gerações de uma mesma família são retratadas. A avó, negra, a mãe com tom de pele menos escuro, o pai branco e a criança, fenotipicamente branca. A matriarca, com semblante emocionado, ergue as mãos aos céus, em gesto de agradecimento pela "redenção": o nascimento do neto branco, que será poupado das agruras e das memórias do passado escravocrata.
Fonte: História da Vida Privada no Brasil (4) -
contrastes da intimidade contemporânea
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