Nero à brasileira: Ruy Barbosa e a política do encilhamento
O caricaturista Pereira Neto parabeniza o então ministro Ruy Barbosa pela queima dos documentos referentes à escravidão. (Revista Ilustrada, dezembro de 1890/Acervo Iconographia)
Liberdade que não trouxe igualdade. Esta é a conclusão que chegamos quando o assunto é Abolição da Escravatura. Vamos dar um salto para uma data bem específica: 14 de dezembro de 1890. Nesta data, Ruy Barbosa - então ministro da Fazenda - mandou queimar os livros de matrícula de escravos existentes nos cartórios das comarcas e registros de posse e movimentação patrimonial envolvendo todos os escravos, o que foi feito ao longo de sua gestão e de seu sucessor. A razão alegada para o gesto teria sido apagar "a mancha" da escravidão do passado nacional para investir na falácia do paraíso racial.
Todavia, especialistas afirmam que Ruy Barbosa quis, com a medida, inviabilizar o cálculo de eventuais indenizações que vinham sendo pleiteadas pelos antigos proprietários de escravos. Apenas 11 dias depois da Abolição da Escravatura um projeto de lei foi encaminhado à Câmara propondo ressarcir os senhores dos prejuízos gerados com essa medida. Pois é, senhores de escravos empenhados na indenização por perdas causadas pela Lei Áurea. Sim, aquela assinada em 13 de maio.
A destruição dos documentos, aliás, já tinha sido proposta por Joaquim Nabuco em outras ocasiões. A empreitada não teve sucesso absoluto e não foram eliminados todos os documentos mas o certo é que se procurava apagar um determinado passado escravocrata e que o presente significava um outro começo a partir do zero.
A política do Encilhamento foi uma tentativa frustrada de Ruy Barbosa defender o tesouro. Essa política foi implementada por ele em 1890 e levou a alcunha de “encilhamento” como uma analogia às corridas de cavalos. Os cavalos bem encilhados, isto é, bem equipados, tinham melhores condições para ganhar as provas. Do mesmo modo, o crédito oferecido pela impressão em larga escala de moeda oferecia condições únicas para o enriquecimento de especuladores financeiros.
Ao longo do ano de 1890, muitas empresas foram criadas em virtude da política monetária de Ruy Barbosa, mas várias delas eram fantasmas, com registros falsos. Porém, em 1891, veio a crise. O encilhamento provocou uma “bolha financeira” que estourou rapidamente, comprometendo a política econômica republicana. Neste mesmo ano seu governo chegou ao fim.
Desde então, uma narrativa romântica falando de senhores severos mas paternais e escravos submissos e prestativos encontrou terreno fértil nas literaturas ao lado de um novo argumento que afirmava ser a miscigenação alargada existente no território brasileiro um fator impeditivo às classificações muito rígidas e apenas bipolares: negros de um lado, brancos de outro.
Rumo à nação industrial com seus patrões cordiais.