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De como o maior porto negreiro das Américas se transformou em "porto maravilha"


O quadro “Desembarque” feito pelo pintor Rugendas em 1835, retrata o Cais do Valongo no Rio de Janeiro. Johann Moritz Rugendas foi um pintor alemão que viajou por todo o Brasil durante o período de 1822 a 1825 pintando os povos e costumes que encontrou. Resolveu registrar o Cais fundado num tempo em que pessoas se achavam superiores a outras a ponto de escravizá-las.

O Cais do Valongo tem uma ligação fortíssima com o período da escravidão no Brasil. Até meados de 1770, os negros escravizados vindos do continente africano desembarcavam na Praia do Peixe (atual Praça XV) e eram negociados na Rua Direita – hoje Rua 1º de Março - no centro do Rio. A cidade maravilhosa cheia de encantos mil também foi o maior mercado de escravos das Américas e esteve em atividade nas últimas décadas do século 18 até final de 1830, ocupando uma área entre os bairros da Gamboa, da Saúde e do Santo Cristo. Nele desembarcaram escravos vindos, sobretudo, do Congo e de Angola. Pelo menos mais 700 mil foram traficados para outros pontos do litoral do estado do Rio de Janeiro.

Após a chegada da Família Real Portuguesa, junto com a corte, a região do Valongo passou a ser muito frequentada por pessoas que queriam comprar escravos. Isso porque a população do Rio duplicou nesse período. Foi de 15 para 30 mil pessoas. A capital, naquela época, era umas das cidades mais negras do mundo colonial. E o trecho mais agitado por essa migração compulsória era a rua do Valongo. Sobre ela, como mencionado no livro "1808", do jornalista Laurentino Gomes, a viajante inglesa Maria Graham, amiga da imperatriz Leopoldina, escreveu em seu diário:

"Vi hoje o Valongo. É o mercado de escravos do Rio. Quase todas as casas desta longuíssima rua são um depósito de escravos. Passando pelas suas portas à noite, vi na maior parte delas bancos colocados rente às paredes, nos quais filas de jovens criaturas estavam sentadas, com as cabeças raspadas, os corpos macilentos, tendo na pele sinais de sarna recente. Em alguns lugares, as pobres criaturas jazem sobre tapetes, evidentemente muito fracos para sentarem-se".

Mesmo com a proibição do tráfico negreiro, em 1831, o Cais do Valongo continuou sendo um dos principais pontos dessa atrocidade que era a compra e venda de pessoas trazidas à força dos países da África. Nessa época, esse tipo de comércio era feito de forma clandestina. A arqueóloga do Museu Nacional, Tânia Andrade Lima conta que esta região, era um complexo de escravos, que incluía o lazareto, para onde os negros que chegavam doentes iam se curar ou morrer, o Cemitério dos Pretos Novos e os armazéns de engorda e venda dos escravos, que se concentravam na Rua do Valongo.

Em 1831, por pressão da Inglaterra, o tráfico transatlântico de escravos foi proibido. Com isso, o Cais do Valongo foi fechado. Os traficantes passaram, então, a fazer o desembarque em outros portos menos fiscalizados.

Mais de uma década depois, em 1843, foi feito um aterro de 60 centímetros de espessura sobre o cais do Valongo para a construção de um novo ancoradouro. O motivo foi a chegada da Princesa Teresa Cristina, futura esposa de D. Pedro II. O cais foi rebatizado. Passou a se chamar Cais da Imperatriz. No ano 1911, durante a reforma urbana realizada pelo prefeito Pereira Passos, o Cais da Imperatriz também foi aterrado. Em 2011, durante as escavações realizadas como parte das obras de revitalização da zona portuária da cidade do Rio de Janeiro, foram descobertos os dois ancoradouros: o do Valongo e o da Imperatriz. No mesmo lugar estava uma grande quantidade de amuletos e objetos de culto originários do Congo, de Angola e Moçambique.

Bom reforçar que o Cais do Valongo está lá, visível para nos lembrarmos de um período extremamente negativo da história do nosso país e do mundo. Parte da história que não chega para nós nas escolas ou através das conversas com professores, pelo contrário, segue invisibilizada. Por vezes, desrespeitada.





At last - Etta James
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